Quem vai ao Rio pela primeira vez, perceberá o quanto o carioca se esforça para ajudar, se fazer entender, mesmo que apenas em gestos, quando trata-se de estrangeiros. Os mais sortudos podem até mesmo ganhar um convite para um chope, uma espécie de senha de convívio oficial da cidade.

Quem parte depois de uma estada na cidade, além das recordações da música, dos sabores, das cores da cidade, leva ainda um sentimento sem tradução em qualquer idioma: saudade. Algo que quer dizer a falta que fará a quem parte tudo aquilo o que viveu no Rio. E, mais, a certeza de que a saudade só passa na próxima visita. Não é à toa que o maior símbolo da cidade está de braços abertos. Sempre!

CONTO BIOGRÁFICO

UMA HISTÓRIA SOBRE O AUTOR E O RIO DE JANEIRO




REGISTROS DE UMA VIDA A FORA


O MELHOR DE MIM PARA O MELHOR DOS MUNDOS


Ano: 2011

Não é nada fácil expressar em palavras o início de nossa vida, traçar um paralelo do que é ou não relevante para contar para alguém, enfim, definir quando é que de verdade eu me vi cara a cara com a vida, a formatura do primário certamente é um ponto de partida com grande valor a ser destacado e pode servir como o ponta pé desta história, talvez esta tenha sido a primeira vez que eu estive em um palco e me vi cara a cara com a platéia, mas a primeira formatura não foi nada diante do meu ingresso no ensino médio, e não tenha dúvidas que passar no vestibular e dar início a minha graduação despertou sentimentos ainda mais intensos, por tanto, talvez eu comece por aqui a minha história, mas por outro lado ainda falta a formatura, sim, a conclusão e então a partir daí poderei começar a contar minha história, por que agora terei uma formatura de verdade, serei o protagonista da história, dividirei o palco com meus melhores amigos que me acompanharam por quatro anos, que agüentaram os estresses, enfrentaram os medos, que juntos compartilhamos o momento happy hour para descontrair após aquele exame final e lembrar o quanto as coisas eram mais simples no ensino médio, como os amigos pareciam mais amigos, como sobrava mais tempo para estes momentos de descontração, como era bom termos menos
compromissos, e então, quando se fala em menos compromissos, chegamos então aquele ponto onde sempre alguém lembra lá da nossa primeira formatura, dos colegas de classe, das festas nos dias das mães, da musica que aprendemos para mostrar para o nosso pai, ai veremos a importância que aquilo tudo teve em nossa infância e o quanto contribuiu para sermos os universitários de hoje.
Varias conquistas, mas também inúmeros conflitos, e sempre teremos um novo à frente para encarar, um cada vez maior que o outro, mas são estes conflitos que nos dão base e força para enfrentar a vida e correr atrás, acordar todos os dias, sair para a rua e ir a luta.
Por tanto meu caro, não importa qual será o meu ponto de partida aqui, pois sempre o meu passado estará se fazendo presente, por que cada pessoa que conheci, cada sorriso que despertaram em mim, os conflitos que enfrentei, as vezes que pensei que não conseguiria, me fazem ser o que hoje eu sou. Mas se tem uma coisa que você já deve saber desde já é que eu saí para a rua e fui à luta.

 Saindo para a rua

Tenho claramente na memória a sensação do meu primeiro dia na escola, por menos que eu fosse e se é que posso dizer, por mais inocência que eu tinha, por que naquela época, crianças ainda eram inocentes, eu tinha uma certeza, ali começava a trilhar um caminho
em busca do meu sonho, mas aquele sentimento de desamparo, me trazia medo, mas ao mesmo tempo despertava-me curiosidade, então mantive dentro de mim a vontade de continuar, e assim foi quando aos 20 anos resolvi sair da minha cidade e encarar o Rio de Janeiro, aquele Rio perfeito que via-se nas novelas das oito e também aquele Rio violento que sempre aparecia nas manchetes dos jornais, resolvi largar aquela vida rotineira e calma que sempre fez parte do charme de Minas Gerais, onde apenas Belo Horizonte consegue equilibrar o dia a dia de cidade grande com o clima pacato de um lugar aconchegante, arrisquei e com o mesmo sentimento de uma criança que é deixado pela sua mãe na porta da escola no seu primeiro dia de aula, larguei tudo, irmão, pais, amigos, emprego e estudos, e fui em busca do meu sonho, correr atrás de um bom emprego e dar continuidade nos meus estudos, queria mesmo era ter tido esta coragem quando eu era mais novo, quando o emprego não precisava ser minha prioridade, quando eu podia de verdade mesmo arriscar
tudo pelo meu verdadeiro sonho, quando a vontade de subir no palco e encantar a uma platéia seria suficiente para mim, e o cachê seria o menos importante, quando as horas dos dias não me preocupavam e eu poderia passar horas sonhando com esta platéia, quando tinha comigo que estar no Rio de Janeiro seria respirar arte e viver dela, realmente isso até acontece, mas infelizmente para alguns poucos que tiveram desde cedo a coragem que me faltou ou pra alguns muitos que tenha nascido em algum bairro da zona sul, mas a vida no
Rio de Janeiro é um pouco diferente da vida que Manoel Carlos leva até nossas casas. Enquanto caminhava pela orla, Leblom, Ipanema, Copacabana, até já cheguei a me sentir um personagem de novela, mas quando chegava a hora de tirar R$ 4,40 do bolso e encarar
o 1113 (Copacabana/Taquara) para voltar para zona oeste, enxergava claramente a minha realidade, de que para eu me manter ali seria necessário guardar o sonho do Teatro na imaginação, deixar as praias para os fins de semana e correr atrás de um bom emprego. Uma semana no Rio e lá se foi minha vida de turista, felicidade explodindo no peito, eu fui capaz, larguei tudo e agora comecei a reconstruir minha vida, a partir de então eu me tornava o mais novo funcionário da TIM Rio, isso é, se eu encontrasse o endereço do RH, fosse aprovado nas duas semanas de processo seletivo e se o horário disponível para trabalho coincidisse com o horário do último ônibus 761 que me levaria de Madureira até a Taquara, duas semanas de processo seletivo e enfim fui aprovado, o horário para tomar o ônibus seria bastante apertado, mas como não podia escolher muito, aceitei logo e fui a luta.

 Indo à luta

05:30 da manhã e eu já estava de pé, fase de treinamento e as 08:00 horas eu deveria estar no bairro de São Cristóvão, só me faltava encarar o transito caótico até Madureira, aprender a andar nos trens lotados do Rio de Janeiro, identificar qual estará indo em direção a Central do Brasil e torcer para que aqueles milhões de passageiros espremidos naquele vagão ficassem em silêncio para que eu pudesse ouvir quando o maquinista anunciasse a Estação de São Cristóvão e direcionasse a porta de desembarque. Depois de traçar toda a minha rota e estratégias, e calcular cada minuto minuciosamente para não me atrasar no primeiro dia de emprego, criei coragem e meti o pé, “morar no asfalto”, no Rio de Janeiro quer dizer, não morar no “morro,” não morar na favela, o que é privilégio de poucos, e eu graças a Deus, morava no asfalto, ônibus na porta, porteiro na entrada do condomínio, mas em contra partida, dali até o centro do Rio, meu amigo, são 2 horas de ônibus, porque no Rio é assim, quem mora bem, na verdade, mora mais ou menos bem, mas por falar em ônibus, lá vem o 761, os ônibus no Rio de Janeiro não andam muito cheios, a grande maioria da população opta pelo transporte alternativo, que são as vans que normalmente fazem parte de alguma cooperativa, mas como estamos falando em Rio de Janeiro, e carioca dá jeito pra tudo, tem sempre aquelas que não são regulamentadas, mas o que geral quer mesmo, é ir e voltar do trabalho rápido, sem ter que ficar esperando ônibus, normalmente as únicas pessoas que deixam uma van passar e esperam pelo ônibus são os beneficiários, idosos, deficientes e estudantes, os que não pagam passagem, e por falar em pagar passagem, o passe livre do Rio deveria ser exemplo para todas a capitais, inclusive para Belo Horizonte, onde a grande “máfia do transporte coletivo” parece comandar a cidade e os estudantes não tem vez, mas na Cidade maravilhosa a população não abaixa a cabeça para esses pelegos no governo, as criançadas vão de graça, e quem paga a conta meu camarada, são os patrões. Apesar de não ser estudante minha alegria gritava quando eu via um estudante embarcar na porta de sua casa e desembarcar na porta de seu colégio sem se preocupar com a situação financeira, ver a força dos movimentos estudantis e mobilizações sociais em geral me deixava feliz, por que no Rio meu amigo, se a população quiser, a cidade maravilhosa pára, não tem polícia que segure um carioca em busca de seus direitos e quando falamos em direitos, a luta não pára, agora os estudantes brigam pelo “bilhete único”, isso significa, poder pegar ônibus + trem, ou ônibus + metrô, sem ser descontado 2 créditos no RioCard Escolar (cartão que controla e dá direito a até 4 ônibus por dia para cada estudante), porque no Rio é assim, neguim quase sempre tem que enfrentar no mínimo 2 tipos de transporte por dia para chegar até o colégio, ou trabalho, a cidade maravilhosa é gigante, e por falar em trem, é hora de desembarcar, terminal rodoviário de Madureira, me recordo agora do nosso grande Arlindo Cruz, e se formos olhar, o Rio é cantado da zona sul a zona norte, mas chega de pensar, agora é encarar o trem, não sei ao certo ainda em qual plataforma terei que pega-lo, mas sei que tenho que pegar algum que venha de Japerí ou de Santa Cruz, lugares que eu nem sonho onde sejam, mas sei que são sempre lotados. Esperando o trem na plataforma E e ouvindo atenciosamente os anúncios dos trens que entravam na Estação de trem de Madureira, torcia para que conseguisse também ouvir, quando o maquinista anunciasse a minha estação de desembarque, enfim ouço claramente: “Trem de Japerí com destino a Central do Brasil, embarque pela plataforma E,” esta foi fácil, mas a parte difícil estava por vir, embarcar naquele trem era praticamente impossível, não cabia mais nenhuma agulha dentro dos vagões, mas como carioca jeito pra tudo, parecia até combinado, em todas as portas sempre tinha alguém com um porte físico “melhorado” que empurravam todos para dentro dos vagões e depois de muito se espremer as portas se fechavam e o trem dava a partida, porém o que mais me espantou, foi a alegria que o povo carioca possui, às 07:00 horas da manhã, em uma sexta feira e encarando aquele trem pra lá de cheio, geral cantando pagode dentro do trem, nesta hora chaveiros de mochilas viravam “chiq-chiq,” portas e janelas tambores, e a diferença de idade era uma separação que não existia, tinha estudantes, aposentados, trabalhadores e eu, parecia até que todos já se conheciam e cantavam numa só voz: “Deixa acontecer naturalmente, eu não quero ver você chorar,” chorar era o que eu iria fazer se eles continuassem cantando e eu não conseguisse ouvir quando o maquinista anunciasse a estação que eu deveria descer. 

Alcançando objetivos

Quando chegou em São Cristovão não foi difícil identificar, parecia que o Rio de Janeiro inteiro trabalhava naquele bairro, após desembarcar, caminhei até a empresa onde trabalhei durante minha estadia na Cidade Maravilhosa. Após 6 meses no Rio tive a total certeza que ali era o meu lugar, porém, não o meu momento, resolvi voltar para Belo Horizonte, mais uma vez larguei tudo e meti o pé, deixe emprego, colegas de trabalho, amigos e uma nova família, o coração ficou apertado mais uma vez, mas voltei para BH com a sensação de dever cumprido,  fui, corri atrás, conquistei, vivi e voltei. Dei continuidade aos meus estudos e após concluí-los decidirei onde deverei fortalecer minhas raízes, em BH ou no Rio de Janeiro, pois a única coisa que posso dizer, é até breve Rio de Janeiro, até quando e por quanto tempo, deixo por conta do destino.


Por: Leandro W. R. Oliveira